terça-feira, 30 de novembro de 2010

meu espírito se perde

Entrei naquela igreja para me ver, ainda menina, percorrendo com euforia aqueles mesmo degraus. Posso lembrar cada infimo sentimento que passou pelo meu corpo, ainda pequeno e inseguro. Vi a menina que carregava nas mãos uma vela, tinha os cabelos cuidadosamente penteados, a roupa impecavelmente branca. Vi em meus olhos que acreditava em tudo aquilo, no poder daquela cerimônia e daquelas palavras.
Entrei naquela igreja para me ver refletida nos grandes vidrais coloridos. Quem é aquela mulher? O que fazia ali? Não havia som a não ser meus passos e os murmúrios de uma senhora que reza por não sei o quê. O cheiro de incenso, por mais que leve, tomava meus sentidos. Ajoelhei em frente ao altar somente por hábito. Não acredito mais naquilo. Mas era tão bonito! Era tão fácil!
Entrei naquela igreja para ver se me livrava de algum vício, mas, os padres sempre ensinaram assim, é preciso se arrepender e pedir perdão a deus. Não me arrependo. Se, enquanto dura, cria um sentimento tão bom, como depois posso dizer que não quis? Não posso mentir para deus. Não posso mentir para mim. Não há, nem nunca haverá, quem diga que fiz errado. Há tanta gente que faz tão pior por tão menos! Eu não. Não o quê? Não perdi? Não me vendi? Talvez tenha feito como não devia.
Entrei naquela igreja para ver se o mundo parava, voltava para trás e me levava embora junto com ela. Ou deixava ela aqui comigo. Para ver se alguém me dava um novo anjo. Não importa a forma, o cheiro, a cor dos olhos. Não sei viver sem anjo. Ninguém dá. Deus não dá nada que não queira. Talvez ele saiba o que faz. Talvez...
Entrei naquela igreja para ficar na sombra. Essa cidade é quente e o calor me mata. Queria encontrar sombra em algum lugar por aqui...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Queria poder te contar meus segredos

Um menino me fita da fotografia gasta. Vê-me como a imagem da decadência, mas exagera. Não sabe o que eu passei pois está sempre ali, fechado dentro daquele álbum de retratos. Sim, album de retratos que ainda guardo, mesmo que não conheça mais aquelas pessoas, elas sejam apenas respingos daquilo que hoje sou, do que ajudou a me formar. Por que tamanha reprovação? Eu deveria ter sido grande, me tornado uma estrela e conquistado o mundo? Nem todos nascem para conquistar, menino. Olha você aí, segurado nesse boneco e vem me dizer que esperava mais de mim. Eu esperava mais de você. Que me trouxesse conforto, por exemplo. Ou boas memórias. Mas agora tudo dói e a culpa é sua. Sua e de toda essa poeira de lembranças esquisitas que traz consigo.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quando sonho com a noite não posso te ver crescer. Acredito te adivinhar sem ao menos te ver passar. Mas como vai longe (sem mim)! A passos largos. E eu aqui, esperando saber esperar. Sabes muito mais que eu sabia ao te encontrar. Tirastes da vida todo o encanto, o conhecimento e me trouxe de volta palavras vindas de além-mar. Esse mar que é rio revolto, esse mar que me fez afogar...

Esse mar que se chama desejo, paixão, amor, despertar. Que pede - que clama!-: um beijo! O único que quero negar.

A vida deixou-me aflita com as voltas que dá. Fiquei só, perdida.

Quem pode um dia me ensinar a andar?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Cabaré

Olhou-se no espelho, o corpo nu, a pele morena refletindo a pálida luz daquela sala abafada de fundos. Como fora parar ali? Seu colo já fora muito mais vistoso do que era então. Com a ponta dos dedos, procurou pelas marcas que costumavam deixar os dedos dele, seus lábios, seus dentes. Não havia mais nada. Seus olhos azuis, claros, profundo, deixaram de ser mar revolto para tornarem-se lagos calmos e sujos, resignados com o tempo infinito. Rugas - ainda pequenas e discretas para a maioria, é verdade, mas que para ela eram o sinal do fim - tomavam o canto de suas pálpebras. Todo o ambiente cheirava a perfume barato e suor. No salão abaixo, a musica começou a tocar. As bailarinas que entravam no palco desfilaram em sua mente. Sabia o nome de cada uma dela e havia ensinado a maioria a dançar. Chegaram ali meninas tolas, frescas, acreditando que a vida sob holofotes era linda. Não sob aqueles holofotes. Vender o corpo daquela maneira, mesmo que só a imagem, era quase como alugar um pedaço da alma. Ou assim deveria ser.
Procurou sobre a penteadeira o batom vermelho carmim, a cor que só ela poderia usar. Pintou os lábios com um pincel. Aproximou-se mais do espelho para passar pó de arroz, tornando-se ainda mais pálida. Sorriu. Onde fora parar seu ar sedutor? Toda aquela aura que usara para... Ele. E agora, para onde fora?
Não sabia. E, depois de tanto tempo, não queria mais saber. Maquiou os olhos, que se tornaram ainda mais belos, e ainda nua caminhou pela sala. O que vestiria? A música mudou e, em sua mente, mudou a cena. Já decorara toda aquela história. Sabia cada passo de cada número do show. Além dos trejeitos e disfarces que vinham depois. Escolheu o vestido azul escuro com decote quadrado e bordados de fios prateados. Por baixo, nada. Era assim que ele gostava naquela época. Talvez ele gostasse agora. Talvez, se ele voltasse. Olhou-se no espelho pela última vez antes de sair. Há muito já não se via "perfeita" quando saia e nem mandava um beijo para a sua imagem no espelho. Não havia mais porque se amar.
O palco tinha um cenário tropical ao fundo, que foi rapidamente trocado por uma noite estrelado quando, com as luzes pagadas, ela entrou. Um foco acendeu-se sobre sua cabeça e, num incrível momento de sincronia, a música começou. Ela contou o tempo rebolando os quadris moldados para a dança. E cantou.
Sua voz encheu o salão e cada um pode sentir seu poder. Pode sentir vibrar a casa. Todos.

Menos ela.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Finjo amor por doze dias

Finjo amor por doze dias. No décimo terceiro, vejo o mesmo quarto com o retrato a sorrir pra mim. Então vou embora e finjo indiferença. "Amor não vale nada". No vigésimo quarto dia, não preciso fingir: já me bastam a culpa e a solidão. Imagino desejo por três horas.

E finjo amor por 12 dias.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Quis gritar e dizer-lhe que não, não podia fazer aquilo! O que estava pensando? Não era como se fosse só mais um símbolo que poderia deitar fora sem sofrer nada. Havia muitas pessoas que acreditavam naquilo muito mais do que acreditavam nele. Não poderia ele ver as consequências daquele ato impensado, atendendo a um tolo capricho? Se tudo continuasse se encaminhando daquele modo, ela deixaria tudo de lado.
Mas por mais que ela avisasse, falasse e até, discretamente, deixasse descer uma lágrima de desespero, ele continuava cego, surdo, insensível a seus apelos. Não poderia, mesmo que soubesse, ouví-la.

Por fim, ela deixou de lado o livro e foi procurar um que falasse de fadas.

domingo, 22 de agosto de 2010

E quando parou
à beira do abismo
teve que se afastar
para que as vozes dos rochedos
não soassem mais altos
que a sua sanidade.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

para um amigo (perdido?)

O que fez da vida
Desde que fui embora?

Quero-lhe amigo
e que leve consigo
meus sonhos menos sãos.

Guarde-os num quarto
ou entre as roupas de dormir.
Quem sabe sob a janela,
naquele baú, se servir.

Uma vez ou outra,
até mesmo sem saber
o como, o porquê,
visite meus sonhos
que guardou com você.

Assim, amigo,
(e só assim, talvez)
poderá estar comigo
e eu, enfim, com você.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

assim só

só assim
você seria quem eu procuraria
não há dúvidas para mim.
Não ligaria. Ah, não!
Você perceberia no ardor
de minha fala enevoada
todo o meu estupor.
Iria para a sua casa
durante a noite, na madrugada
e te contava da paixão
de meus planos loucos,
da falta de razão.
E você veria
com seus olhos sãos
que não é tanta loucura
amar amores
que se vão.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Para meus olhos de criança, nossa pequena casa era um sistema planetário, com estrelas, cometas, orbitas e planetas. O sol era o escritório de minha mãe, com suas janelas enormes a as paredes cobertas de desenhos, alguns meus e de meu irmão. Até um do papai. Mamãe dizia que ali estavam as obras das pessoas mais importantes que existiam e sempre sentia-me cheio de importância por isso. O núcleo do nosso sol era a mesa de minha mãe, na verdade uma grande prancheta de desenho, sempre meticulosamente arrumada. Havia folhas organizadas em ordem de tamanho, lápis pelo tipo de grafiti e lápis de cor em um perfeito degradê. Mas gostava mesmo era quando mamãe saia do sol e ia para o jardim, onde pintava seus grandes painéis. Era sempre um espetáculo ver como ela brincava com as cores e traços, formando imagens. Parecia que os pinceis eram, na verdade, a extensão de seus braços.
O primeiro planeta de nosso sistema era a cozinha, que girava rápida e alegre em torno do ateliê. Ali eram passados o início de todos os dias, em especial os domingos. Dependendo do dia, papai ou mamãe preparavam o café e, nos dias especiais, ganhavamos panquecas com geleia de morango ou framboesa. Era ali, também, que jantavamos, pois o almoço era em outra galáxia, na escola, ou em belos restaurante, aos sábados e domingos. No jantar, era sempre papai que cozinhava, com pratos coloridos e cheios de coisas que "faziam bem". Sempre negávamos e faziamos cara de nojo, meu irmão e eu, mas era sim bastante gostoso. Menos berinjelas.
O planeta seguinte era o quarto que eu dividia com meu irmão, com as noites repleta de ursinhos de pelúcia e bonecos que criavam vida. Os dias ali eram curtos e as noite infinitas, até que mamãe viesse mandar que ficassemos quietos e fossemos dormir. Ou que papai jogasse-se sobre nós e, com seu abraço de urso, nos prendesse na cama e nos botasse debaixo da coberta, mas sempre com um sorriso nos lábios.
O quarto dos meus pai era um planeta bem próximo ao nosso, que quase vinha na mesma órbita e eu ficava abismado que eles nunca se trombassem. Só iamos para lá nas noites de chuva, ou quando nossos pais iam sair e mamãe ficava horas se arrumando, sentada em frente à penteadeira ou entrando e saindo do closet, uma lua que orbitava aquele quarto. Ficavamos sentados na cama, eu, meu irmão e papai, observando e vendo nossa estrela ficar cada vez mais linda. Adoravamos quando ela prendia os cabelos cor de fogo com uns grampinhos dourados. Ficava a perfeita imagem da guardiã do sol.
Após um cinturão de asteroides, ficava a sala de estar. Eramos proibidos de entrar ali, a não ser nas grandes festas, quando tinhamos que botar roupas bonitas. Mamãe e papai não eram aqueles adultos chatos, que tantavam mostrar as crianças como os filhos do ano, e tinham amigos legais, até alguns que faziam os desenhos animados que assitiamos e sabiam imitar as vozes dos personagens. Mas sempre havia a hora em que papai nos pegava e nos levava através do cinturão de meteoros de volta ao nosso quarto, logo quando achavamos que iriamos conseguir burlar a hoa de dormir.
Bem mais longe, o último planeta, era o quarto de meu avô. Só fui cruzar aquela porta já na adolescência, quando a idéia de um sistema planetário já estava quase esquecida. Era um lugar mítico, que exalava um cheiro forte, de incenso. Vovô era uma pessoa misteriosa, que contava histórias de lugares distantes quando sentavamos no jardim para os piquiniques noturnos.
O jardim era uma constelação de estrelas que, mesmo estando todas distantes, juntavam-se à nossa vista para fazer um desenho. Era ali que, sentado no balanço, no colo de minha mãe ou na casa da árvore - que não ficava a mais de meio metro do chão - ouvia as histórias sobre deuses, heróis, ciganos, ladrões, guerreiros e mulheres. Mamãe sempre parava o vovô nessas horas. Ele fechava a cara e dizia "esses meninos têm que aprender!". Meu irmão fazia uma cara de quem entendia tudo e papai só ria, enquanto as estrelas rodavam em torno do sol.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Fiquei triste quando descobri que você tinha me apagado. Fui assim tão ruim para você? Afinal não vivemos coisas bonitas também? Você foi bonita para mim. Foi linda. Acho que você fez por mim muito mais do que eu poderia ter feito, do que posso fazer. Mas você me apagou.
Talvez eu não tenha alcançado seus desejos, seus sonhos. Você poderia ter me dito. Fui embora, sei disso. Minha culpa. Mas precisava esquecer de mim assim? Não esqueço de você.

Não esqueço de você.

sábado, 26 de junho de 2010

Sobre o suicídio

A arma em sua mão quente parece fria. O mundo todo tremia ou sera só seu corpo?

PONTO

A arma em sua mão fria estava quente. Se seu corpo não mais tremia, só poderia ser o mundo.
As pessoas nas ruas são fantasmas. Suas sombras movem-se por elas e seus cachorrinhos fazem barulho. A carrocinha de sorvete passeia, deixando para trás cores que os senhores e as mocinhas da limpeza varrem da calçada para os bueiros, por onde escorrem virando cinza e preto. As vitrines mostram as formas e sabores que atraem meninas e mulheres-criança de maneira tão vistosa que as obrigam a entrar.
As vozes nos fones de ouvido são doces, envolventes, transloucadas. Ouvem-as ouvidos esquizofrênicos, que balançam as cabeças e sacodem os corpos, fazendo rebolar os quadris. Os fantasmas dançam, dançam, dançam.
Ao entrar nos prédios, perdem a transparênica e ganham corpo. Seus cachorros se calam, menos nas salas de aula. Nada pode fazer silêncio enquanto um professor fala, somente as engrenagens enferrujadas do cérebro. Nada se pode aprender que não com os fantasmas das árvores e do asfalto. Talvez algo com as fadas.
Sentado na praça do outro lado da cidade ele vê fantasmas, flores, dores e, mesmo que procure, nunca encontra ardores. Só ouve cachorros, balidos, e é quase mudo. Talvez seus lábios já tenham se colado de tanto silêncio. Ele, porém, vê cores, não só as do sorveteiro. Aprendeu a transformar o transparente ectoplasma em vivas cores, talvez até sabores, se pudesse abrir a boca. Mas não podia. Não falava.
E quem não fala não é importante. É preciso se co-mu-ni-car. Com palavras e não basta que sejam escritas. É preciso pronunciar. Mesmo que não seja importante. Quem fala muito conta, mesmo que fale mal, mesmo que fale feio, mesmo que não fale sério.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Queria ser você

Olhou os olhos, desceu pelo nariz, pousou na boca, vermelha, rosa? Contornou o queixo, subiu pelo cabelos ruivos, meio loiros cheio de cachos. Caminhou pela testa, pela orelha esquerda. O que estava procurando, encontrando, onde estava se perdendo? Fechou os olhos para ouvir, só ouvir. Pelos lábios vermelho-rosas vinham a história do mundo, de que mundo? Talvez fosse só como foi o dia, uma história engraçada. Como aqueles lábios transformavam tudo em algo fantástico? Ou talvez fossem os olhos, verde-azuis que diziam tudo. Mas tinha certeza de que tinha algo com as palavras, o acento tão forte e os "s"s arrastados ao limite. Que fala preguiçosa a desses lábios! Mas os olhos davam movimentos, força emoção. Os olhos eram tudo. Você está prestando atenção? Sim.
Em tudo, tudo. Nos dedos brancos que enrolam uma mecha loira-ruiva e que depois a deixa cair como uma mola. O dedo, acompanhado da mão fina, volta para o bolso da calça jeans, que guarda as coxas, brancas, transparentes. Subiu devagar pela barriga, um território inexplorado. O corpo todo era segredo que não para os olhos. Já vira tudo, tudo, tudo. Mas precisava mais. Precisava tocar, entender. Queria entender as curvas delicadas e as pintas que formavam constelações. Podia fazer um mapa celeste daquelas costas, que terminavam em uma bunda perfeita, redonda, ou não? Talvez estivesse ficando cego, míope, estrábico. O que estava olhando? Os olhos verde-azuis, o nariz arrebitado, as sardas pequenas, delicadas, os lábios vermelho-rosas.
E as palavras. Agora aqueles lábios cantavam. E, amor, que voz era aquela. Tinha que estar apaixonado, como tudo podia estar tão perfeito? Os olhos verde-azuis se fecharam e não havia mais o que olhar, então também fechou os olhos. Agora só queria ouvir. Era uma música boba, tão boba, falava de amor. Mas, amor, o que é amar? Pegue o violão. Pegou. E tocou para que os lábios vermelho-rosas cantassem e a voz enchesse o mundo. Então sentiu os dedos quentes, a mão, sobre o braço. Podia sentir e nada mais importava. Só a voz. E os lábios vermelho-rosas. Desviou os olhos do violão. E os olhos verde-azuis. E o nariz e as sardas. E o cabelo loiro-ruivo, os cachos. Só aquilo. E a música, que música? Aquela que falava de amor.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

porque eu amo criar começos 2

Escrevo para que, de alguma forma, fique para sempre o nosso amor. Digo agora que eu te amo e, mais ainda, que sempre te amei. Peço perdão por não ter deixado isso claro o suficiente quando eu pude. Peço perdão por ter deixado isso ir embora
Tudo começou com uma brincadeira. Você disse que casaria comigo. Que eu seria o pai per-fei-to pros seus filhos. Disse que eu seria um bom marido, daqueles que lava a louça e passa o dia com as crianças. E eu seria. Sei que seria. Se não tivesse deixado tudo dar errado. Se eu não tivesse feito tudo errado. Como eu queria ter visto o que você viu, sentido o que você sentiu. Sofrido o que você sofreu. Só para aumentar minha dor. Só para me fazer entender o quão errado eu fui. E sou.
Talvez o melhor seja começar naquele verão, agora longícuo. Nós tínhamos 11 anos, talvez 10. Eu estava sentado na varanda e você subia na jabuticabeira no jardim. Seus cabelos ruivos esvoaçavam com o vento. Você parecia muito delicada, usando um macacão jeans e uma blusa rosa, repleta de flores. E um sorriso no rosto. Sei que senti meu rosto aquecendo pelo simples fato de você olhar pra mim e acenar.
Um galho escoregadio, ou mesmo um descuido seu, a fez desequilibrar e acabar por cair. A pouca altura e a grama fofa te deixaram apenas um corte mais ou menos profundo no joelho. Corri até você e te vi segurando a perna, com lágrimas nos olhos.
- Dói muito?
Você fez que sim com a cabeça. Meu coração apertava, eu achando que era uma dor inacreditável. Tirei minha camisa e amarrei no seu joelho do melhor jeito que pude. Quase me desesperei ao ver o azul claro se tingir, aos poucos, de vermelho. Juntando minhas poucas forças, te pus nas costas como uma mochila e te levei até a cozinha, onde minha mãe e a sua preparavam um bolo, ou algo assim. A preocupação no rosto da Helena ao nos ver só me deixou mais aflito. Comecei a explicar o que acontecia tão rapidamente que ela mal conseguiu entender. Pôs-te sentada sobre a mesa e começou a cuidar do corte em seu joelho, enquanto minha mãe verificava se estava tudo bem comigo. Mas não podia estar enquanto eu não tivesse certeza absoluta que você estava bem

porque eu amo criar começos

Chegou aos dezesseis anos sem ainda saber o que era "querer crescer". Fingia entender aquele mundo adolescente de garotas, estudos, baladas e paixonites, mas, no fundo, ainda era bem criança. Não que chegasse em casa tomasse um todynho e fosse brincar com seu Max Stell. Quer dizer, ele ainda adorava o achocolatado e nunca conseguiu se desfazer de seus bonecos, mas não queria dizer que ele desse muita atenção a eles. Para quem não o conhecia direito, era um garoto normal, que ia tinha alguns problemas com matemática, mas entendia tudo de história, estava sempre com um livro nas mãos e tinha olhos azuis encantadores. E não havia ninguém que o conhecia direito. Sua mãe estava sempre preocupada com sua falta de amigos, o tempo que ele sempre passava sozinho, perdido num mundo de fantasias. Seu pai era mais tranquilo. Dizia que era tudo uma fase, sorria, desarumava os cabelos castanhos do filho e lhe perguntava se iria querer sobremesa. A mãe era uma dessas mulheres nervosas que sofrera na adolescência e tinha medo por tudo. Já o pai não. Ele fizera parte do movimento hippie, tocara violão descalço na rua e fora "contra o sistema". Quando cresceu, tornou-se editor de uma dessas revistas sobre cultura e música e passava os domingos ouvindo os novos cd's que eram lançados, lendo os livros que ainda não haviam sido publicados ou indo à estreias de peças e filmes. Um desses humens que as pessoas gostam de chamar de "culto" e convidar para jantar.
Fechou os olhos para sentir a leve brisa brincar com seus curtos cabelos castanhos. Como não se pode deixar de esperar de quem anda sem olhar para frente, tropeçou numa peça solta no calçamento e quase caiu, esparramado, na rua.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O que acontecer

"O que havia mudado em mim? O homem vaidoso saíra de cena para dar espaço a um novo eu, introspectivo, insone e infeliz. Por que não havia como ser feliz quando me sentia tão diferente. E de uma maneira tão inconstante. Porque, por mais que a maconha me relaxasse e a pintura me acolhesse, não havia mais minha arrogância, toda a minha maneira de viver. O que acontecera em mim para não agüentar mais a música boba que me divertia, as piadas perversas que me faziam rir, os jogos de vida que me entretinham? Nem eu sabia. E, quando, às 13:15 de uma segunda-feira cinzenta, entrei no carro, era nisso que pensava. E em como precisava de um cigarro."