quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Rock no Escuro (tentativa falha de música 1)

Eu faço meu rock no escuro
É mais gostoso, não tem nervoso
Não tem cobrança ou insatisfação
Ninguém tem medo dos meus segredos
Da minha história ou minha solidão

Faço meu rock onde ninguém vê
Eu prefiro onde ninguém percebe
Só assim eu vou poder fazer
Muito mais do que você me pede

É no escuro que tudo começa
E é pra lá que sempre se vai
Tem gente que foge do escuro
Mas o meu rock corre pra lá
Vai fugindo de todos os medos
Procura sem parar seu lugar
Estava preso na garganta
E agora só quer gritar

Faço meu rock onde ninguém vê
Eu prefiro onde ninguém percebe
Só assim eu vou poder fazer
Muito mais do que você me pede

Quando apaga a luz não tem censura
A vergonha não tem mais lugar
E pensando assim até se entende
O meu rock não querer mudar
Ele pode até falar da gente
Da vontade louca de se dar
Dos beijos, dos desejos
E do que a gente costumava jogar

Eu faço meu rock no escuro
É mais gostoso, não tem nervoso
Não tem cobrança ou insatisfação
Ninguém tem medo dos meus segredos
Da minha história ou minha solidã

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Declaração Final

Ao final de cada reunião da Organização de Cooperação de Xangai, é escrita uma declaração final e sinto necessidade de escrevê-la para todo o ONU Jr. Não como um resumo das reuniões, mas de tudo que aconteceu e das impressões que ficaram em mim. Afinal aconteceu muito e há, conseqüentemente, muito a ser dito.

Assim que os comitês foram liberados, começou a expectativa para a sétima edição do ONU Jr. Encontrar a melhor entre idéias tão interessante, principalmente para quem só havia feito sistema ONU até então, foi, no mínimo, complicado. Correr atrás de uma delegação, toda a tensão na espera da inscrição, a confirmação e, então, começar a estudar. E o desafio era maravilhoso. Transportar-se para Ecaterimburgo representando um líder asiático que com uma ideologia, história, cultura e muito mais completamente diferente de tudo com o que estamos acostumados. Além das ditaduras, golpes, corrupções e assassinatos. Exercitar o poder de delegar mesmo com o que não acredito.

Assim veio o Guia de Estudos, só para aumentar ainda mais a excitação. O material preparado deu a visão geral e seguir adiante foi tranqüilo e divertidíssimo. As informações dadas, as perguntas estranhas respondidas, os conselhos e os direcionamentos. E então tudo começa. O pequeno número de delegados assustou no começo, mas crescer ali dentro dói sensacional. Já acreditava que as discussões teriam fim quando vieram os atentados terroristas. Um repórter anglo-paulista seqüestrado no Paquistão, explosões na rede de gasodutos e oleodutos na China e no Cazaquistão, a necessidade de dar um parecer e resolver a situação tornaram a experiência ainda mais genial. E, ao falar das discussões não há como não citar a imprensa, que foi maior e teve uma participação mais decisiva. As falhas foram todas perdoáveis e rápidamente corrigidas e a expectativa para cada jornal só aumentava a cada dia.

Mas não só de momentos solenes se fez o ONU Jr. As conversas nas horas de coffe break e almoço, em meio a voracidade de adolescentes famintos, as discussões intermináveis sobre política internacional – e otras cositas mas - na van, as pequenas conversas nos corredores e, por último, mas não menos importante, as festas. Ver o querido secretário geral de líder mafioso foi algo para guardar na memória. Delegados e diretores se perdendo na pista de dança – isso para não falar do secretariado – é parte importante do processo.

De maneira sucinta agora: foi completa e absurdamente foda.

Por tudo o que aconteceu, o ONU Jr me viciou de uma maneira que não esperava no mundo dos modelos.

Não posso terminar essa declaração sem parabenizar – e agradecer – todos que tornaram o ONU Jr algo tão especial. Finalmente entendi, ao menos em parte, o por quê de discursos tão longos na cerimônia de encerramento. Primeiro, meus dire-fofos, que responderam meus e-mail de madrugada, aturaram nossas resoluções rosas, ouviram gritos, brigas, desentendimentos e muitas piadinhas, a maioria sem lá muita graça, admitamos. Desculpem por termos deixado o pobre jornalista morrer. Mas não para por aí. Os meninos do acadêmico, que ajudaram a criar nossas crises e movimentaram o comitê. Acho que o Igor correu o La Salle inteiro atrás de um analgésico pra mim que salvou meu dia. O pessoal do administrativo, que organizou o evento, pensou em toda a aprte logística, lidou com situações complicadas, conseguiu enfiar todo mundo nas vans, e conseguiu fazer desse ONU Jr mais um sucesso. Os staffs também não podem faltar, afinal, eles conseguem água, escrevem no quadro, contam votos das eleições informais e também correm bastante por aí.

Um último agradecimento e também um parabéns, esse especial, para o secretário geral, que eu vi pequeno (sim, momento tia velha), conheço desde que nasci e agora eu vejo como uma pessoa incrível que genial e que, gostaria que soubesse, é inspiração para várias pessoas. JP, você é o cara.

É, galera, você mandam.

Beijos e abraços para acabar com a DPS,

Laura Nery

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do mundo pra dentro, de mim para fora


Ou a parede do meu quarto

Versos quebrados

Ela chega
Traz borboletas
Diz que estrelas
São fáceis de ter

Cria um mundo
Me torna rainha
Tudo que eu tinha
Já deixa de ser

Entorpece
Com sua inocência
Sua inconciência
Do que é sofrer

Estar ao seu lado
É lembrar a história
Que até a amemória
Já ia esquecer

Me ensine, criança,
A ser mais valente
Seu modo contente
De sempre viver

Pois mesmo que tudo
Machuque lá fora
Aqui fecho a porte
Nada faz doer

Serei sua força
A melhor fortaleza
Com toda a certeza
Não haverá temer

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Um pouco feliz

Pinto de branco o amarelo
Assim tudo fica mais velho
O céu azul anil
Parece apenas mais um ardil

"A vida é muito bela"
Na verdadem, só era.
ela
Não me deixa tão assim

Ah, aquela!
A menina mais bela
Que pintei com aquerela
E naquela longa tarde
Deixou-me, louco, à parte

Esqueceu-me, feriu-me
Mas eu sempre a quis
Sabia que só com ela
Seria ao menos um pouco

Feliz

quarta-feira, 27 de maio de 2009

a cura - parte 1

Carlos desligou o computador e massageou levemente as têmporas, o cigarro pendia-lhe dos lábios semi-abertos. Levantou-se e andou, não, se arrastou até o quarto. Estava cansado, de verdade. Sentou-se na cama e firmou o cigarro, tragando-o longamente. Maldito vício, pensou antes de soltar a fumaça bem devagar. Apagou-o no cinzeiro, descalçou os chinelos e deitou-se. Havia sido um dia difícil, como todos. Odiava o maldito emprego. Ganhava um bom dinheiro? Sim, e daí? As únicas coisas que fazia eram: trabalhar, trabalhar e trabalhar. E tinha apenas 27 anos! Imaginou como seria aos 40: mais um daqueles empresários gordos e estressados, que acabavam por morrer do coração. Mas o dia não fora simplesmente ruim. Fora péssimo. Além de todo o trabalho ainda tinha aquela menina. Riu. Menina... A garota deveria ter apenas dois ou três anos a menos que ele, mas ele se sentia muito mais velho. Ela era uma novata, ele odiava treinar novatos. Um dia passaria essa função para alguém. Ainda por cima a fala arrastada e o sotaque baiano da garota o irritavam profundamente. Levantou-se. Sabia que não conseguiria dormir. Foi até o bar que ficava na sala e tomou um copo de vodka. Como aquilo era bom! Tomou mais um gole e voltou para a cama. Não que fosse conseguir dormir, mas era melhor ficar deitado.

Rosa jogou a bolsa em cima do sofá. Não estava bem cansada, era mais para frustrada. Por que seu chefe havia sido tão rude? Afinal, ela sabia do assunto e estava disposta a aprender tudo o que precisava para o trabalho. E ele a tratou como o ser mais burro do mundo! Entrou debaixo do chuveiro. Quem sabe um bom banho não faria bem para ela? Deixou a água escorrer pelo seu corpo sem pensar em nada. Não era hora de pensar. Era hora de sentir. Quando finalmente saiu do boxe o pequeno espelho acima da pia estava embaçado pelo vapor. Com o dedo, desenhou um pequeno coração e saiu. Vestiu uma camisola e foi até a cozinha.

Não esperou muito para estar no quarto, deitada na cama e trocando os canais da televisão. Sabia que não iria dormir, mas ao menos tentaria

Não passava muito das seis e o sol já despontava no céu quando Carlos levantou. Era uma sexta-feira de primavera e o dia estava lindo. Levantou-se e se arrumou: iria caminhar na praia antes de trabalhar. Aquele era um ato incomum, mas mesmo assim estava decidido. O Leblon acordava enquanto ele caminhava sobre as pedras pretas e brancas do calçadão. Decidiu tentar não pisar nas pretas. Era uma brincadeira infantil, sabia, mas, por algum estranho motivo, ele não se importou. Deixou o homem sério para ser usado quando estivesse de terno e gravata. Várias pessoas caminhavam ou corriam pela ciclovia. A maioria, pensou ele, executivos ocupadíssimos e suas mulheres totalmente desocupadas buscando manter o físico para parecerem melhores. Ele só não sabia sob os olhos de quem. Continuou prestando atenção nas pedras sob seus pés.

Rosa amarrou o tênis e saiu. Planejava ir até o posto 12, voltar, tomar banho e ir trabalhar. Caminhava lentamente. Afinal, para que pressa? Observava a praia e as pessoas enquanto passava. Uma estranha nostalgia a atingiu fazendo-a pensar. Por que não havia ficado em Salvador? Será que estaria sendo mais fácil? Depois de um tempo decidiu que não. Seria muito mais difícil esquecer se continuasse lá. Seus pensamentos voavam longe e ela já não prestava atenção aonde ia. Só parou ao trombar fortemente em alguém.

Carlos caiu de bunda no chão ao bater em alguém. Quando olhou para frente, viu apenas um par de pernas mulatas. Belas pernas, pensou antes de resmungar:

- Não olha para onde anda?

- Desculpe, meu rei. Disse uma voz com um forte sotaque baiano.

Uma mão se estendeu, mas ele a dispensou e levantou-se sozinho.

Qual não foi a surpresa de Rosa ao ver ali, na sua frente, o homem que tanto a havia tratado mal toda aquela semana. Se amaldiçoou por ter parado. Esperou alguma reação do patrão. Como nada via, virou-se e começou a andar. Pouco depois, Carlos a alcançou.

Ele não sabia o que estava fazendo. Talvez fosse o clima de primavera, talvez o tombo houvesse afetado seu cérebro, ou talvez ele houvesse ficado encantado com a mulata metida naquela roupa de ginástica, mas foi atrás dela.

- Você mora por aqui? Perguntou ele despreocupado.

- Não, em Copacabana, mas costumo vir até aqui. Eu gosto da caminhada.

- É um bom pedaço. Bem, eu vou indo, ainda há algumas coisas para fazer antes de ir para o escritório.

Sem dizer mais nada, virou-se e segui na direção oposta. Rosa continuou a andar, espantada. O homem que a havia tratado tão mal nos últimos dias fora muito simpático sem nenhum motivo aparente.

Não passava muito das 21h, mas, talvez por conta da frente fria que chegara naquela madrugada, as ruas do Leblon estavam quase vazias. Apertava fortemente o volante de seu Honda Civic. Queria chegar logo. Dobrou uma esquina. Parou o carro e saiu, dando a chave ao manobrista.

- Quantas pessoas?

Fez um sinal com a mão indicando que seria apenas uma. Foi conduzido até uma mesa no meio do restaurante. Era sexta-feira. Não conseguiria ficar em casa. Pra começar, pediu uma taça de um bom vinho. Só não queria te de voltar.

Rosa estava sentada na bancada da cozinha, esperando a lasanha ficar pronta, com um álbum de fotos apoiado no colo. Eram fotos de não muito tempo atrás. Ela, seus pais e Pedro, em frente à casa que há pouco haviam comprado. Não era muito grande, mas o suficiente para os dois casais. As memórias a invadiram como um furacão. A voz do negro em seu ouvido...

- Minha Rainha!

A simples lembrança da voz doce e aveludada a fez arrepiar-se. Sentia falta de seu nego. Uma corrente de ar frio passou pela cozinha e ela se encolheu. O microondas apitou indicando que a comida estava pronta. Desceu da bancada e pôs-se a desenfornar a lasanha, mas seus pensamentos ainda estavam a quilômetros dali. Uma outra lembrança veio à sua mente. Ela devia ter uns 5 anos. Pequena o suficiente para se sentar nos ombros do pai. A pequena família passeava pela parte alta de Salvador. Decidiram pegar o elevador Lacerda. Nunca se esqueceria do que viram seus olhos imaginativos de criança. Cercada de turistas e moradores, ela se sentiu uma rainha descendo aos seus súditos. Lembrou-se da primeira vez que comeu acarajé. A boca ardendo e dormente por causa da pimenta, mas adorou o gosto. Enquanto comia a lasanha sem graça, se imaginou deliciando-se com o acarajé de sua mãe. Queria tudo aquilo de volta.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

a cura - parte 2

A caminhada pela praia de manhã havia se tornado um hábito para Carlos e mesmo inconscientemente a buscava com os olhos. O corpo esbelto e mulato que ele adorava, apesar de a dona não saber. Quando Carlos acordou naquela segunda, com a cabeça estourando de dor, já eram mais de oito horas. Mas ao contrário do normal, a ressaca não era um mau sinal. Era sinal de uma noite dormida. Estava totalmente bêbado quando se deitara, mas era tudo o que precisava. Banhou-se, tomou café rapidamente e saiu. Apesar das grandes e escuras nuvens no horizonte o céu estava bastante azul. O trânsito no centro já estava impraticável. Acendeu um cigarro e apoiou o braço na janela aberta, tomando cuidado de deixar a pasta bem escondida, já havia sido assaltado antes, e os 4 mil reais de um laptop novo ele preferia guardar.

Rosa desceu do ônibus e começou a caminhar. Eram mais 15 minutos a pé até o escritório, ou muito tempo de ônibus. Entrou na profusão de vias e ruelas do centro, observando o ambiente. Passava por ali todo dia, mas nuca deixava de olhar. E nunca deixava de sentir uma estranha vontade de largar tudo e voltar para a simplicidade de sua vida em Salvador. Mas sabia que não podia. Não conseguiria agüentar.

A noite chegou e junto com ela uma forte chuva. Rosa se perguntou por que não havia trazido a sombrinha. Foi quando sentiu uma mão em seu ombro.

- Aceita uma carona?

Carlos não sabia o que estava fazendo, mas mesmo assim não pôde resistir. Ela parecia tão solitária, indefesa. Seu instinto de príncipe encantado teve que agir. E a surpresa: ela aceitou prontamente. Dirigiram-se para a garagem do edifício e, em minutos, o carro emergia para as ruas cheias do centro. Os pingos grossos açoitavam a lataria. A chuva agravava o trânsito da hora do rush. Ele ligou o rádio. A Lagoa, em direção ao corte do Cantagalo estava parada, o aterro também.

- Se importa se a gente der a volta pela Borges de Medeiros? Perguntou ele.

Ela fez que não com a cabeça. Continuaram em silêncio por um bom tempo, ouvindo apenas o rádio e a chuva lá fora. Novamente, foi Carlos quem falou primeiro:

- Minha rua é a próxima. Não quer ficar lá em casa até passar a chuva, e o engarrafamento?

Rosa teve que pensar um pouco antes de responder. Ela não faria nada em casa, e levá-la só o faria perder mais tempo no trânsito. Respondeu um “sim” tímido. Carlos fez a curva, logo parou na garagem de um luxuoso prédio. Não demorou minuto para Carlos destrancar a porta e os dois entraram numa sala bem decorada ele ofereceu um lugar a ela e uma taça de vinho, que Rosa aceitou de bom grado. Logo depois ele desapareceu no corredor, voltando pouco depois sem gravata e paletó e a camisa desleixadamente para fora da calça. Ele se serviu de um copo de uísque e sentou-se na poltrona ao lado dela. Conversaram então enquanto a chuva batia fortemente na janela. Quando a chuva finalmente aliviou, estavam entretidos e altos demais para notar.

- E como você, uma moça tão bonita, não tem namorado? – Perguntou Carlos.

Uma sombra triste passou pelos olhos da menina.

- Meu noivo, assim como meus pais – respondeu ela, vagarosamente – Eles... Eles morreram num acidente de carro que levavam nossas malas da casa antiga para a que havíamos acabado de comprar. Apesar de eu estar no carro, consegui sair antes de tudo explodir. Desde então não durmo.

Carlos pôs sua mão sobre a mão da mulata.

- Entendo como se sente... Minha esposa morreu, há dois anos, vítima de uma bala perdida. O culpado nunca foi encontrado, mas tudo aconteceu por causa de uma troca de tiros entre a polícia e traficantes. Eu também não consigo mais dormir...

Rosa segurou a mão de Carlos. Nunca achou que alguém estaria na mesma condição que ela. Seus olhos castanhos estavam cheios de lágrimas. Olhou para o chefe, olhos nos olhos. Antes que pudesse perceber, ele se aproximava lentamente e, num impulso, a beijava.

Rosa se surpreendeu, mas não o repeliu. Pelo contrário, correspondeu. Sentiu um arrepio. Não era o beijo luxurioso que imaginava. Era doce, como se quisesse confortá-la. Sem se separar os dois foram caindo vagarosamente. Acabaram deitados lado a lado no chão e ,antes de adormecer, perceberam. Encontraram o remédio para suas noites em claro. Acharam sua cura.

terça-feira, 28 de abril de 2009

ela passou

"Seu caminhar era leve e apressado. Os cabelos ruivos esvoaçavam. As vestes negras brincavam ao redor de seus joelhos finos. E ela brilhava.

Seu olhar era frio e pesado. Seus cabelos loiros caiam em frente aos olhos, mas ele não se importava. Seu peso parecia maior do que aquele corpo poderia agüentar encostado na parede daquela maneira. E ele desaparecia.

Ela o olhou ao passar.

Ele levantou os olhos apenas para vê-la por inteira.

Ela sorriu para ele. Sempre sorria. Um sorriso belo e franco. O sorriso dela.

Ele fechou os olhos e abaixou a cabeça. Não podia fazer nada por ela. Não podia fazer nada para ela.

Ela passou então, sem realmente o ver, sem tocá-lo, sem senti-lo.

Ele ficou. Sem realmente saber o porquê, sem tocá-la, sem tê-la."

seu, sua

"O cheiro doce e amadeirado se misturava ao cheiro azedo de fumaça. Era sinal de que ele chegara. Um toque. Ela se virou. Encarou aqueles olhos cinzas... Profundos... Frios. Um sinal. Ela se calou e entrou em silencio a sala já arrumada. Bastou um pensamento para que as luzes diminuíssem. Um beijo. Volúpia. Um novo toque. Desejo. O cheiro dele entrando em sua pele. Seu gosto amargo e frio, que deliciava e queimava. Seu.

O doce vermelho foi a primeira coisa que viu. Podia representá-la naquele vermelho de seus cabelos: forte e doce. Tocou sua cintura e viu ela se virar. Olhos nos olhos. Azul no cinza. Quente no frio. Doce no amargo. As luzes diminuíram e ele sorriu. Um beijo. Queria. Queria a doçura daquele corpo no seu. Um novo toque. As mãos exploravam o já conhecido. A pele macia, quente, desejada. O vermelho se espalhando pelo travesseiro. Seu gosto doce e quente, que deliciava e acalmava. Sua."

bilhete

"Ele sorriu ao vê-la, mas resolveu não se aproximar. Suas mãos suavam e ameaçavam borrar a tinta do papel que segurava com tanta força. Seu rosto enrubesceu quando ela olhou para ele. Respirou fundo e contou até dez enquanto ela sorria e andava a passos leves em direção a ele. Ela era sempre assim. Leve, livre... Os cabelos vermelhos balançavam ligeiramente enquanto ela andava. Ele pensou se podia realmente fazer aquilo. Perguntou-se se era forte o suficiente. Fechou os olhos um segundo e respirou fundo. Ela sentou ao seu lado, com o vestido branco se espalhando em volta de seus joelhos finos. Ele olhou para ela e a única coisa que pode fazer foi estender a mão que tinha o bilhete. Ela olhou para o papel antes de pega-lo e lê-lo devagar. A cada palavra o sorriso em seu rosto aumentava.
- Sim, meu querido primo. Sim!"

era uma vez...

"Eles dizem 'era uma vez' para começar um conto de fadas. E porque não usa-lo para começar a nossa história? Era uma vez uma garota bela de genio forte e sem medo errar. Era uma vez um garoto frágil, que se mostrava forte por obrigação e tinha medo de quase tudo. Era uma vez um olhar entre duas almas completamente diferentes, mas ao mesmo tempo, tão próximas. Era uma vez uma carta, uma declaração de amor, um sentimento tão inexplorado, mas tão presente em um peito, meu peito. Era uma vez um "sim", a resposta que fez um certo coração saltitar de alegria. Era uma vez um "eu te amo" que duraria para sempre. E posso dizer que, como nos contos de fadas, viveram feliz para sempre."

em meus braços dorme um anjo

"Em meus braços dorme um anjo. Um anjo pequenino, como não podia deixar de ser. Seus bracinhos movem-se bem devagar e sei que sonha. Provavelmente com o tempo que ainda não chegou.
Em meus braços dorme um anjo. Um anjo cansado, como não podia deixar de ser. Seu rosto está molhado por suas lágrimas e quase choro também, com pena do seu sofrer. Um beijo na testa não faz passar a dor de um coração quebrado pela primeira vez.
Em meus braços dorme um anjo. Um anjo feliz, como não podia deixar de ser. O sorriso em seu rosto quase brilha e sorrio também, com felicidade pelo seu amor. Nada ofusca essa felicidade do primeiro amor correspondido.
Em meus braços dorme um anjo. Um anjo sem asas, como não podia deixar de ser. Minhas lágrimas molham seu rosto, mas ele não chora comigo, não sente pena da minha dor. Meu anjo adormecido tem os olhinhos bem fechados. E sei que não poderá abri-los mais.
Pelos meus dedos se foi o tempo. Um tempo curto, como não podia deixar de ser. Um vento, um sopro ou nada mais que um suspiro. Um tempo que levou o meu anjinho. Em meus braços dormia um anjo. Um anjinho que se foi.
Adeus meu anjinho."

te amo, desculpe e obrigado

"Primeira coisa que fiz, que pude fazer, assim que sai do carro, foi olhar o céu. Estava azul, algumas poucas nuvens. Ele zombava de mim, só podia. Mais uma lágrima escorria pelo meu rosto. Uma... Como se tivesse parado nessa. Baixei os olhos. A cena passou a ser um retrato em branco e preto. Todos com o negro da cabeça aos pés, alguns com a tristeza certa no olhar, outros com um pesar hipócrita. Enxuguei o rosto com as costas da luva e me virei para ajudar minha mãe a sair do carro. Podia ver ali mesmo que seu peito se dilacerava. Os desejos de pêsames chegavam aos ouvidos, mas não passavam muito disso. Andei com calma até onde você estava, os passos leves de minha mãe logo atrás. E te vi ali, mais uma vez, uma última vez. O cabelo loiro cuidadosamente preso num rabo de cavalo, o rosto mais pálido do que eu podia imaginar, vestido num terno preto. Toquei seu rosto. Sua pele tão mais fria que a minha. Senti a mão da minha mãe apertando meu ombro. Toquei sei peito. Nem uma batida. Quieto, vazio. E foi assim que me senti. Sem nada por dentro, oco, nada. Sei que nunca disse antes e me perdoe por isso, mas preciso dizer agora, mesmo que não possa ouvir. Eu te amo, pai. Desculpe. E obrigado por tudo."

cores

"A. encostou o rosto na janela, enfadado com a chuva forte que caia lá fora. Deixou a janela embaçar com a sua respiração e começou a fazer desenhos com o dedo. Um sol sorridente. Limpou tudo e voltou a encarar a janela, emburrado. E então a viu. Primeiro o preto das sapatilhas, pisando o verde macio da grama molhada e o marrom mole da lama que se formava. Subiu um pouco, as meias brancas já encharcadas. A barra azul clara e então o preto. Um curva, duas, três. E logo o vermelho. Ah! Aquele vermelho! Doce e forte vermelho, vivo como só o dela. Meia volta. Os traços delicados de seu rosto. E o azul! Tão inocente e brilhante azul, janela da mais pura das almas. Azul como só ela podia- e sabia! – ter. Uma volta. E outra e outra e outra! Certo que ela sempre emanava cores, mas ali, na chuva, espantava o cinza do dia. Albus sorriu, abrindo a janela. Apesar do vento frio e das gotas de chuva, não se importou. Sua flor desabrochava, bem na sua frente, no mais belo e vermelho dos sóis, mais bonito do que em qualquer entardecer."