segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Cabaré

Olhou-se no espelho, o corpo nu, a pele morena refletindo a pálida luz daquela sala abafada de fundos. Como fora parar ali? Seu colo já fora muito mais vistoso do que era então. Com a ponta dos dedos, procurou pelas marcas que costumavam deixar os dedos dele, seus lábios, seus dentes. Não havia mais nada. Seus olhos azuis, claros, profundo, deixaram de ser mar revolto para tornarem-se lagos calmos e sujos, resignados com o tempo infinito. Rugas - ainda pequenas e discretas para a maioria, é verdade, mas que para ela eram o sinal do fim - tomavam o canto de suas pálpebras. Todo o ambiente cheirava a perfume barato e suor. No salão abaixo, a musica começou a tocar. As bailarinas que entravam no palco desfilaram em sua mente. Sabia o nome de cada uma dela e havia ensinado a maioria a dançar. Chegaram ali meninas tolas, frescas, acreditando que a vida sob holofotes era linda. Não sob aqueles holofotes. Vender o corpo daquela maneira, mesmo que só a imagem, era quase como alugar um pedaço da alma. Ou assim deveria ser.
Procurou sobre a penteadeira o batom vermelho carmim, a cor que só ela poderia usar. Pintou os lábios com um pincel. Aproximou-se mais do espelho para passar pó de arroz, tornando-se ainda mais pálida. Sorriu. Onde fora parar seu ar sedutor? Toda aquela aura que usara para... Ele. E agora, para onde fora?
Não sabia. E, depois de tanto tempo, não queria mais saber. Maquiou os olhos, que se tornaram ainda mais belos, e ainda nua caminhou pela sala. O que vestiria? A música mudou e, em sua mente, mudou a cena. Já decorara toda aquela história. Sabia cada passo de cada número do show. Além dos trejeitos e disfarces que vinham depois. Escolheu o vestido azul escuro com decote quadrado e bordados de fios prateados. Por baixo, nada. Era assim que ele gostava naquela época. Talvez ele gostasse agora. Talvez, se ele voltasse. Olhou-se no espelho pela última vez antes de sair. Há muito já não se via "perfeita" quando saia e nem mandava um beijo para a sua imagem no espelho. Não havia mais porque se amar.
O palco tinha um cenário tropical ao fundo, que foi rapidamente trocado por uma noite estrelado quando, com as luzes pagadas, ela entrou. Um foco acendeu-se sobre sua cabeça e, num incrível momento de sincronia, a música começou. Ela contou o tempo rebolando os quadris moldados para a dança. E cantou.
Sua voz encheu o salão e cada um pode sentir seu poder. Pode sentir vibrar a casa. Todos.

Menos ela.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Finjo amor por doze dias

Finjo amor por doze dias. No décimo terceiro, vejo o mesmo quarto com o retrato a sorrir pra mim. Então vou embora e finjo indiferença. "Amor não vale nada". No vigésimo quarto dia, não preciso fingir: já me bastam a culpa e a solidão. Imagino desejo por três horas.

E finjo amor por 12 dias.