sábado, 26 de junho de 2010

As pessoas nas ruas são fantasmas. Suas sombras movem-se por elas e seus cachorrinhos fazem barulho. A carrocinha de sorvete passeia, deixando para trás cores que os senhores e as mocinhas da limpeza varrem da calçada para os bueiros, por onde escorrem virando cinza e preto. As vitrines mostram as formas e sabores que atraem meninas e mulheres-criança de maneira tão vistosa que as obrigam a entrar.
As vozes nos fones de ouvido são doces, envolventes, transloucadas. Ouvem-as ouvidos esquizofrênicos, que balançam as cabeças e sacodem os corpos, fazendo rebolar os quadris. Os fantasmas dançam, dançam, dançam.
Ao entrar nos prédios, perdem a transparênica e ganham corpo. Seus cachorros se calam, menos nas salas de aula. Nada pode fazer silêncio enquanto um professor fala, somente as engrenagens enferrujadas do cérebro. Nada se pode aprender que não com os fantasmas das árvores e do asfalto. Talvez algo com as fadas.
Sentado na praça do outro lado da cidade ele vê fantasmas, flores, dores e, mesmo que procure, nunca encontra ardores. Só ouve cachorros, balidos, e é quase mudo. Talvez seus lábios já tenham se colado de tanto silêncio. Ele, porém, vê cores, não só as do sorveteiro. Aprendeu a transformar o transparente ectoplasma em vivas cores, talvez até sabores, se pudesse abrir a boca. Mas não podia. Não falava.
E quem não fala não é importante. É preciso se co-mu-ni-car. Com palavras e não basta que sejam escritas. É preciso pronunciar. Mesmo que não seja importante. Quem fala muito conta, mesmo que fale mal, mesmo que fale feio, mesmo que não fale sério.

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