segunda-feira, 26 de julho de 2010

Para meus olhos de criança, nossa pequena casa era um sistema planetário, com estrelas, cometas, orbitas e planetas. O sol era o escritório de minha mãe, com suas janelas enormes a as paredes cobertas de desenhos, alguns meus e de meu irmão. Até um do papai. Mamãe dizia que ali estavam as obras das pessoas mais importantes que existiam e sempre sentia-me cheio de importância por isso. O núcleo do nosso sol era a mesa de minha mãe, na verdade uma grande prancheta de desenho, sempre meticulosamente arrumada. Havia folhas organizadas em ordem de tamanho, lápis pelo tipo de grafiti e lápis de cor em um perfeito degradê. Mas gostava mesmo era quando mamãe saia do sol e ia para o jardim, onde pintava seus grandes painéis. Era sempre um espetáculo ver como ela brincava com as cores e traços, formando imagens. Parecia que os pinceis eram, na verdade, a extensão de seus braços.
O primeiro planeta de nosso sistema era a cozinha, que girava rápida e alegre em torno do ateliê. Ali eram passados o início de todos os dias, em especial os domingos. Dependendo do dia, papai ou mamãe preparavam o café e, nos dias especiais, ganhavamos panquecas com geleia de morango ou framboesa. Era ali, também, que jantavamos, pois o almoço era em outra galáxia, na escola, ou em belos restaurante, aos sábados e domingos. No jantar, era sempre papai que cozinhava, com pratos coloridos e cheios de coisas que "faziam bem". Sempre negávamos e faziamos cara de nojo, meu irmão e eu, mas era sim bastante gostoso. Menos berinjelas.
O planeta seguinte era o quarto que eu dividia com meu irmão, com as noites repleta de ursinhos de pelúcia e bonecos que criavam vida. Os dias ali eram curtos e as noite infinitas, até que mamãe viesse mandar que ficassemos quietos e fossemos dormir. Ou que papai jogasse-se sobre nós e, com seu abraço de urso, nos prendesse na cama e nos botasse debaixo da coberta, mas sempre com um sorriso nos lábios.
O quarto dos meus pai era um planeta bem próximo ao nosso, que quase vinha na mesma órbita e eu ficava abismado que eles nunca se trombassem. Só iamos para lá nas noites de chuva, ou quando nossos pais iam sair e mamãe ficava horas se arrumando, sentada em frente à penteadeira ou entrando e saindo do closet, uma lua que orbitava aquele quarto. Ficavamos sentados na cama, eu, meu irmão e papai, observando e vendo nossa estrela ficar cada vez mais linda. Adoravamos quando ela prendia os cabelos cor de fogo com uns grampinhos dourados. Ficava a perfeita imagem da guardiã do sol.
Após um cinturão de asteroides, ficava a sala de estar. Eramos proibidos de entrar ali, a não ser nas grandes festas, quando tinhamos que botar roupas bonitas. Mamãe e papai não eram aqueles adultos chatos, que tantavam mostrar as crianças como os filhos do ano, e tinham amigos legais, até alguns que faziam os desenhos animados que assitiamos e sabiam imitar as vozes dos personagens. Mas sempre havia a hora em que papai nos pegava e nos levava através do cinturão de meteoros de volta ao nosso quarto, logo quando achavamos que iriamos conseguir burlar a hoa de dormir.
Bem mais longe, o último planeta, era o quarto de meu avô. Só fui cruzar aquela porta já na adolescência, quando a idéia de um sistema planetário já estava quase esquecida. Era um lugar mítico, que exalava um cheiro forte, de incenso. Vovô era uma pessoa misteriosa, que contava histórias de lugares distantes quando sentavamos no jardim para os piquiniques noturnos.
O jardim era uma constelação de estrelas que, mesmo estando todas distantes, juntavam-se à nossa vista para fazer um desenho. Era ali que, sentado no balanço, no colo de minha mãe ou na casa da árvore - que não ficava a mais de meio metro do chão - ouvia as histórias sobre deuses, heróis, ciganos, ladrões, guerreiros e mulheres. Mamãe sempre parava o vovô nessas horas. Ele fechava a cara e dizia "esses meninos têm que aprender!". Meu irmão fazia uma cara de quem entendia tudo e papai só ria, enquanto as estrelas rodavam em torno do sol.

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