segunda-feira, 4 de maio de 2009

a cura - parte 2

A caminhada pela praia de manhã havia se tornado um hábito para Carlos e mesmo inconscientemente a buscava com os olhos. O corpo esbelto e mulato que ele adorava, apesar de a dona não saber. Quando Carlos acordou naquela segunda, com a cabeça estourando de dor, já eram mais de oito horas. Mas ao contrário do normal, a ressaca não era um mau sinal. Era sinal de uma noite dormida. Estava totalmente bêbado quando se deitara, mas era tudo o que precisava. Banhou-se, tomou café rapidamente e saiu. Apesar das grandes e escuras nuvens no horizonte o céu estava bastante azul. O trânsito no centro já estava impraticável. Acendeu um cigarro e apoiou o braço na janela aberta, tomando cuidado de deixar a pasta bem escondida, já havia sido assaltado antes, e os 4 mil reais de um laptop novo ele preferia guardar.

Rosa desceu do ônibus e começou a caminhar. Eram mais 15 minutos a pé até o escritório, ou muito tempo de ônibus. Entrou na profusão de vias e ruelas do centro, observando o ambiente. Passava por ali todo dia, mas nuca deixava de olhar. E nunca deixava de sentir uma estranha vontade de largar tudo e voltar para a simplicidade de sua vida em Salvador. Mas sabia que não podia. Não conseguiria agüentar.

A noite chegou e junto com ela uma forte chuva. Rosa se perguntou por que não havia trazido a sombrinha. Foi quando sentiu uma mão em seu ombro.

- Aceita uma carona?

Carlos não sabia o que estava fazendo, mas mesmo assim não pôde resistir. Ela parecia tão solitária, indefesa. Seu instinto de príncipe encantado teve que agir. E a surpresa: ela aceitou prontamente. Dirigiram-se para a garagem do edifício e, em minutos, o carro emergia para as ruas cheias do centro. Os pingos grossos açoitavam a lataria. A chuva agravava o trânsito da hora do rush. Ele ligou o rádio. A Lagoa, em direção ao corte do Cantagalo estava parada, o aterro também.

- Se importa se a gente der a volta pela Borges de Medeiros? Perguntou ele.

Ela fez que não com a cabeça. Continuaram em silêncio por um bom tempo, ouvindo apenas o rádio e a chuva lá fora. Novamente, foi Carlos quem falou primeiro:

- Minha rua é a próxima. Não quer ficar lá em casa até passar a chuva, e o engarrafamento?

Rosa teve que pensar um pouco antes de responder. Ela não faria nada em casa, e levá-la só o faria perder mais tempo no trânsito. Respondeu um “sim” tímido. Carlos fez a curva, logo parou na garagem de um luxuoso prédio. Não demorou minuto para Carlos destrancar a porta e os dois entraram numa sala bem decorada ele ofereceu um lugar a ela e uma taça de vinho, que Rosa aceitou de bom grado. Logo depois ele desapareceu no corredor, voltando pouco depois sem gravata e paletó e a camisa desleixadamente para fora da calça. Ele se serviu de um copo de uísque e sentou-se na poltrona ao lado dela. Conversaram então enquanto a chuva batia fortemente na janela. Quando a chuva finalmente aliviou, estavam entretidos e altos demais para notar.

- E como você, uma moça tão bonita, não tem namorado? – Perguntou Carlos.

Uma sombra triste passou pelos olhos da menina.

- Meu noivo, assim como meus pais – respondeu ela, vagarosamente – Eles... Eles morreram num acidente de carro que levavam nossas malas da casa antiga para a que havíamos acabado de comprar. Apesar de eu estar no carro, consegui sair antes de tudo explodir. Desde então não durmo.

Carlos pôs sua mão sobre a mão da mulata.

- Entendo como se sente... Minha esposa morreu, há dois anos, vítima de uma bala perdida. O culpado nunca foi encontrado, mas tudo aconteceu por causa de uma troca de tiros entre a polícia e traficantes. Eu também não consigo mais dormir...

Rosa segurou a mão de Carlos. Nunca achou que alguém estaria na mesma condição que ela. Seus olhos castanhos estavam cheios de lágrimas. Olhou para o chefe, olhos nos olhos. Antes que pudesse perceber, ele se aproximava lentamente e, num impulso, a beijava.

Rosa se surpreendeu, mas não o repeliu. Pelo contrário, correspondeu. Sentiu um arrepio. Não era o beijo luxurioso que imaginava. Era doce, como se quisesse confortá-la. Sem se separar os dois foram caindo vagarosamente. Acabaram deitados lado a lado no chão e ,antes de adormecer, perceberam. Encontraram o remédio para suas noites em claro. Acharam sua cura.

Um comentário:

  1. laura, gostei muito da sua passada na dobradura, mas o que adorei mesmo foi o seu blog. é muito bom, parabéns!

    um beijo

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