terça-feira, 28 de abril de 2009

ela passou

"Seu caminhar era leve e apressado. Os cabelos ruivos esvoaçavam. As vestes negras brincavam ao redor de seus joelhos finos. E ela brilhava.

Seu olhar era frio e pesado. Seus cabelos loiros caiam em frente aos olhos, mas ele não se importava. Seu peso parecia maior do que aquele corpo poderia agüentar encostado na parede daquela maneira. E ele desaparecia.

Ela o olhou ao passar.

Ele levantou os olhos apenas para vê-la por inteira.

Ela sorriu para ele. Sempre sorria. Um sorriso belo e franco. O sorriso dela.

Ele fechou os olhos e abaixou a cabeça. Não podia fazer nada por ela. Não podia fazer nada para ela.

Ela passou então, sem realmente o ver, sem tocá-lo, sem senti-lo.

Ele ficou. Sem realmente saber o porquê, sem tocá-la, sem tê-la."

seu, sua

"O cheiro doce e amadeirado se misturava ao cheiro azedo de fumaça. Era sinal de que ele chegara. Um toque. Ela se virou. Encarou aqueles olhos cinzas... Profundos... Frios. Um sinal. Ela se calou e entrou em silencio a sala já arrumada. Bastou um pensamento para que as luzes diminuíssem. Um beijo. Volúpia. Um novo toque. Desejo. O cheiro dele entrando em sua pele. Seu gosto amargo e frio, que deliciava e queimava. Seu.

O doce vermelho foi a primeira coisa que viu. Podia representá-la naquele vermelho de seus cabelos: forte e doce. Tocou sua cintura e viu ela se virar. Olhos nos olhos. Azul no cinza. Quente no frio. Doce no amargo. As luzes diminuíram e ele sorriu. Um beijo. Queria. Queria a doçura daquele corpo no seu. Um novo toque. As mãos exploravam o já conhecido. A pele macia, quente, desejada. O vermelho se espalhando pelo travesseiro. Seu gosto doce e quente, que deliciava e acalmava. Sua."

bilhete

"Ele sorriu ao vê-la, mas resolveu não se aproximar. Suas mãos suavam e ameaçavam borrar a tinta do papel que segurava com tanta força. Seu rosto enrubesceu quando ela olhou para ele. Respirou fundo e contou até dez enquanto ela sorria e andava a passos leves em direção a ele. Ela era sempre assim. Leve, livre... Os cabelos vermelhos balançavam ligeiramente enquanto ela andava. Ele pensou se podia realmente fazer aquilo. Perguntou-se se era forte o suficiente. Fechou os olhos um segundo e respirou fundo. Ela sentou ao seu lado, com o vestido branco se espalhando em volta de seus joelhos finos. Ele olhou para ela e a única coisa que pode fazer foi estender a mão que tinha o bilhete. Ela olhou para o papel antes de pega-lo e lê-lo devagar. A cada palavra o sorriso em seu rosto aumentava.
- Sim, meu querido primo. Sim!"

era uma vez...

"Eles dizem 'era uma vez' para começar um conto de fadas. E porque não usa-lo para começar a nossa história? Era uma vez uma garota bela de genio forte e sem medo errar. Era uma vez um garoto frágil, que se mostrava forte por obrigação e tinha medo de quase tudo. Era uma vez um olhar entre duas almas completamente diferentes, mas ao mesmo tempo, tão próximas. Era uma vez uma carta, uma declaração de amor, um sentimento tão inexplorado, mas tão presente em um peito, meu peito. Era uma vez um "sim", a resposta que fez um certo coração saltitar de alegria. Era uma vez um "eu te amo" que duraria para sempre. E posso dizer que, como nos contos de fadas, viveram feliz para sempre."

em meus braços dorme um anjo

"Em meus braços dorme um anjo. Um anjo pequenino, como não podia deixar de ser. Seus bracinhos movem-se bem devagar e sei que sonha. Provavelmente com o tempo que ainda não chegou.
Em meus braços dorme um anjo. Um anjo cansado, como não podia deixar de ser. Seu rosto está molhado por suas lágrimas e quase choro também, com pena do seu sofrer. Um beijo na testa não faz passar a dor de um coração quebrado pela primeira vez.
Em meus braços dorme um anjo. Um anjo feliz, como não podia deixar de ser. O sorriso em seu rosto quase brilha e sorrio também, com felicidade pelo seu amor. Nada ofusca essa felicidade do primeiro amor correspondido.
Em meus braços dorme um anjo. Um anjo sem asas, como não podia deixar de ser. Minhas lágrimas molham seu rosto, mas ele não chora comigo, não sente pena da minha dor. Meu anjo adormecido tem os olhinhos bem fechados. E sei que não poderá abri-los mais.
Pelos meus dedos se foi o tempo. Um tempo curto, como não podia deixar de ser. Um vento, um sopro ou nada mais que um suspiro. Um tempo que levou o meu anjinho. Em meus braços dormia um anjo. Um anjinho que se foi.
Adeus meu anjinho."

te amo, desculpe e obrigado

"Primeira coisa que fiz, que pude fazer, assim que sai do carro, foi olhar o céu. Estava azul, algumas poucas nuvens. Ele zombava de mim, só podia. Mais uma lágrima escorria pelo meu rosto. Uma... Como se tivesse parado nessa. Baixei os olhos. A cena passou a ser um retrato em branco e preto. Todos com o negro da cabeça aos pés, alguns com a tristeza certa no olhar, outros com um pesar hipócrita. Enxuguei o rosto com as costas da luva e me virei para ajudar minha mãe a sair do carro. Podia ver ali mesmo que seu peito se dilacerava. Os desejos de pêsames chegavam aos ouvidos, mas não passavam muito disso. Andei com calma até onde você estava, os passos leves de minha mãe logo atrás. E te vi ali, mais uma vez, uma última vez. O cabelo loiro cuidadosamente preso num rabo de cavalo, o rosto mais pálido do que eu podia imaginar, vestido num terno preto. Toquei seu rosto. Sua pele tão mais fria que a minha. Senti a mão da minha mãe apertando meu ombro. Toquei sei peito. Nem uma batida. Quieto, vazio. E foi assim que me senti. Sem nada por dentro, oco, nada. Sei que nunca disse antes e me perdoe por isso, mas preciso dizer agora, mesmo que não possa ouvir. Eu te amo, pai. Desculpe. E obrigado por tudo."

cores

"A. encostou o rosto na janela, enfadado com a chuva forte que caia lá fora. Deixou a janela embaçar com a sua respiração e começou a fazer desenhos com o dedo. Um sol sorridente. Limpou tudo e voltou a encarar a janela, emburrado. E então a viu. Primeiro o preto das sapatilhas, pisando o verde macio da grama molhada e o marrom mole da lama que se formava. Subiu um pouco, as meias brancas já encharcadas. A barra azul clara e então o preto. Um curva, duas, três. E logo o vermelho. Ah! Aquele vermelho! Doce e forte vermelho, vivo como só o dela. Meia volta. Os traços delicados de seu rosto. E o azul! Tão inocente e brilhante azul, janela da mais pura das almas. Azul como só ela podia- e sabia! – ter. Uma volta. E outra e outra e outra! Certo que ela sempre emanava cores, mas ali, na chuva, espantava o cinza do dia. Albus sorriu, abrindo a janela. Apesar do vento frio e das gotas de chuva, não se importou. Sua flor desabrochava, bem na sua frente, no mais belo e vermelho dos sóis, mais bonito do que em qualquer entardecer."